Em Itaúna a
memória indígena foi totalmente apagada e a africana, encontra-se em processo
de dolorosa dilapidação: a importância da presença negra está sendo varrida da
nossa história. Há alguns anos fui à cidade de Bomfim com o vereador Alexandre
Campos, que estava procurando registros da migração dos negros pra cá. Chamados
por suas habilidades na tecelagem, eles foram fundamentais para a viabilização
dessa atividade essencial para a consolidação de Itaúna. São fatos que não
podem ser esquecidos.
Com a sua
história espalhada por aí, resta à comunidade negra itaunense, como grande
símbolo da sua identidade, o Alto do Rosário. Entretanto, com a liberação da
construção de edifícios altos, logo ali! a descaracterização daquele espaço é
iminente. Se for perdido o domínio que se tem da paisagem, lembranças e
vivencias importantes vão sumir. Parte desse prejuízo já aconteceu, quando
foram doados terrenos em frente à caixa d’água, terrenos que permitiam visadas
espetaculares do vale do Rio São João. Ainda dá tempo de impedir a continuidade
da tragédia anunciada pelo Plano Diretor, entretanto, os vereadores são brancos
e tradições alheias não interessam a eles.
Os pretos
precisam construir lideranças de visão, comprometidas de fato com o coletivo,
lideranças que trabalhem para fortalecer a autoestima dessa parcela da
população e que compreendam a amplitude da sua história, das suas tradições,
que percebam a importância da manifestação concreta dessa comunidade no espaço
urbano itaunense.
Diante desta
ameaça ao Morro do Rosário, o historiador Charles Aquino e eu começamos a
levantar subsídios para impetrar uma ação pública contra o desvario. Mas o
trabalho nos reservava uma grande surpresa. Num de seus mergulhos cuidadosos,
Charles esbarrou em evidências de que existiu, junto à igreja do Rosário, um
cemitério. Fotos antigas também apontavam nessa direção, mas, a consistência
veio da existência de um registro nominal dos cidadãos enterrados, mais de
duzentos, quase todos pretos. Como não há indícios da transferência dos corpos,
supomos que eles ainda estejam lá. Debaixo do asfalto. A situação precisa ser
investigada e foi o que solicitamos ao Ministério Público: a Prefeitura foi
notificada e há um ano se mantém em silêncio.
Remexo nesse baú
desconfortável, para lembrar que as manifestações deploráveis de racismo não
estão apenas lá longe, na Espanha e nem sempre são evidentes como pendurar um
boneco num viaduto: estão bem aqui, debaixo dos nossos narizes, disfarçadas de
normalidade. Poucos negros têm vez na administração do município. No governo
atual, nenhum secretário, nenhum diretor de departamento. Eles não são chamados
de macacos, mas são tratados como inferiores. Por serem tão pouco
representados, um estrangeiro poderia concluir que os pretos são menos
capacitados, menos educados, menos inteligentes, o que seria um absurdo! Mas é
o que os números insinuam e é o que precisamos desmentir com veemência e ações
concretas.
Sugiro, como
gesto inaugural, a reurbanização do Rosário e a criação de um pequeno museu, um
memorial, que contasse a história da comunidade desde que os negros se
estabeleceram por aqui. Seria uma demonstração do nosso reconhecimento a esses
bravos pioneiros. Os dois milhões do calçamento do Bonfim poderiam ser
utilizados pra isso... nem precisaria de tanto! O memorial se constituiria num
símbolo evidente do nosso compromisso em mudar a atual situação de
esquecimento, podendo dar início a uma série de ações de longo prazo, visando
integrar efetivamente os pretos, na sociedade itaunense.
Eu sempre me
embaralho quando vou chamar os descendentes africanos de pretos ou de negros.
Mas na verdade, isso é irrelevante: são pessoas comuns como quaisquer outras e
ponto. É como devemos considerá-los: irmãos merecedores de toda a nossa estima
e respeito.
Referências:
Texto: Professor
Sérgio Márcio Machado* - Arquiteto, Urbanista, Professor M.Arts
Fonte digital: Redação do Jornal Folha do Povo Itaúna Disponível em: https://www.folhapovoitauna.com.br/os-nossos-pretos em 29 de maio 2023, Itaúna/MG
Acervo
Ilustrativo: Alberto Henschel - Leibniz-Institut Für Länderkunde in
ERMAKOFF, George. O negro na fotografia brasileira do Século XIX. Rio de
Janeiro: George Ermakoff Casa Editorial, 2004. p. 182. ISBN 85-98815-01-2.
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Afro-brasileiros#/media/Ficheiro:Alberto_Henschel_-_Pernambuco_4.jpg
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