domingo, 24 de março de 2024

COMÉRCIO TRANSATLÂNTICO


    Dia 25 de março — "Dia Internacional em Memória das Vítimas da Escravidão e do Comércio Transatlântico de Escravos" é reconhecido pelas Nações Unidas. Esta data significativa serve como um lembrete dos esforços globais em curso para erradicar as injustiças enraizadas no comércio de escravos. Enfatiza também o papel crucial da educação no reconhecimento do profundo impacto deste acontecimento histórico na nossa sociedade moderna e na abordagem das suas consequências duradouras. Ao longo da história, mais de 15 milhões de indivíduos, incluindo homens, mulheres e crianças, foram transportados à força através do Atlântico.
    Numa mensagem de vídeo, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, enfatizou a importância de honrar a memória dos milhões de indivíduos afrodescendentes que suportaram as atrocidades da escravatura e do comércio transatlântico de escravos. Salientou ainda que este comércio estabeleceu e perpetuou um sistema mundial de exploração que persistiu durante mais de quatro séculos, devastando profundamente famílias, comunidades e economias.
    Ao refletir sobre a resiliência daqueles que sofreram sob a crueldade dos traficantes e proprietários de escravos, Guterres reconhece as contribuições significativas feitas pelos indivíduos escravizados para a cultura, o conhecimento e as economias dos países para os quais foram transportados à força. Embora o comércio transatlântico de escravos tenha terminado há mais de dois séculos, o chefe da ONU reconhece que as ideologias prejudiciais da supremacia branca que o alimentaram ainda persistem hoje.
    Guterres sublinha a necessidade urgente de desmantelar as consequências duradouras da escravatura e do comércio transatlântico de escravos, combatendo ativamente o racismo, a injustiça e as desigualdades, e promovendo comunidades e economias inclusivas que proporcionem oportunidades iguais para todos viverem em paz e dignidade.

Secretário-geral da ONU, António Guterres



Censo em 1831 Sant'Ana do Rio São João Acima (Itaúna/MG)



Referências:
Organização, texto e arte: Charles Aquino

ONU News: https://news.un.org/pt/story/2021/03/1745582

UFMG Cedeplar - Poplin-Minas

Imagens ilustrativa: Johann Moritz Rugendas

Imagem Ilustrativa: MultiRio – História do Brasil, O tráfico negreiro. "Os compartimentos de um navio negreiro. Gravura publicada em 1830 no livro Notices of Brazil in 1828 and 1829, de R. Washl. Domínio público, Arquivo Nacional – Ministério da Justiça".

 

sexta-feira, 22 de março de 2024

DISCRIMINAÇÃO RACIAL

Todos os anos, no dia 21 de março, é (re)lembrado o Dia Internacional da Luta pela Eliminação da Discriminação Racial. A Organização das Nações Unidas (ONU) escolheu esta data em memória das manifestações contra a Lei do Passe na África do Sul. Foi neste dia de 1960 que eclodiram os protestos contra a lei que impunha restrições à circulação da população negra. Infelizmente, estes protestos foram recebidos com força brutal por parte do exército sul-africano, resultando no trágico “massacre de Sharpeville”, onde 69 pessoas perderam a vida e outras 186 ficaram feridas. Reconhecendo a importância deste evento, a ONU declarou oficialmente o dia 21 de março como um dia para aumentar a conscientização sobre a discriminação racial em 1966.

Após o ano de 2023, o dia 21 de março também passa a ser (re)lembrado como o Dia Nacional das Tradições de Raízes Africanas e das Nações do Candomblé. A Lei 14.519/23 foi sancionada em 2023 pelo presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva.


Referências:




Imagem Ilustrativa: Pinterest

Organização e Pesquisa: Charles Aquino


sábado, 9 de março de 2024

AFRO-ITAUNENSES

Como cidadão itaunense e descendente de herança afro-brasileira, senti-me obrigado a sair da zona de estudos e expressar publicamente minha preocupação e indignação. Acredito que a frase acima não confrontou apenas a narrativa histórica do  município de Itaúna, mas também a ancestralidade de seus habitantes, que inclui a escravização de minha trisavó paterna, o nascimento da minha bisavó após a promulgação da Lei do Ventre Livre, e o eventual nascimento de meu avô, que só conseguiu o direito ao registro oficial de nascimento aos 25 anos em 1937, que posteriormente fixaram residência em Itaúna, local de descanso final de uma jornada marcante, deixando um valioso legado para seus descendentes — o direito à educação. 
   
Ao realizar pesquisas rotineiras para elaboração de meus trabalhos, me deparei com um texto complexo em todos os sentidos que está disponível no site da Prefeitura de Itaúna/MG. Assim, a narrativa histórica se apresentou confusa dificultando uma compreensão mais precisa. Após uma segunda leitura minuciosa, finalmente comecei a entender que o texto se tratava da “permuta de padroeiras” no município do século XIX. Mesmo tentando compreender a informação de que as “igrejas foram trocadas” naquela época, imagino que seria difícil transposição de duas construções, no entanto, dadas as informações de livros de história do município que registram esse acontecimento, percebi que seria uma troca de oragos, e não das edificações. 

Portanto, seria aceitável considerar isso como um mero “deslize histórico”, podendo até ser enviada uma mensagem à Secretaria de Cultura e Turismo de Itaúna, pedindo a retificação do texto, cujo material apresentado, nem sequer tiveram a preocupação de fornecer as referências adequadas e necessárias. À medida em que realizava a leitura mais atenta do texto, descobri que as informações, em parte, eram meramente baseadas em “achismos”, ou seja, um texto totalmente abstrato e desconecto da história do município. Porém, o mais alarmante ainda estava por vir, pois neste texto trazia uma declaração de que os negros naquela época “roubavam” dentro da igreja do arraial de Santana do Rio São João Acima, hoje Itaúna. Eis aqui, parte do trecho retirado do texto que está disponível no site da prefeitura de Itaúna:

“As igrejas foram trocadas. O problema é que os padres queriam manter as padroeiras. Sant'Ana, dos portugueses, agora era dos negros. Senhora do Rosário, dos negros, virou padroeira dos brancos. Os negros não aceitaram. Toda noite, entravam na Matriz e roubavam a Imagem de Nossa Senhora do Rosário e levavam para a nova Capela, no alto do Morro. Sendo lenda ou não, fato é que essa história inspirou a festa mais tradicional da cidade: o Reinado.”

Como mencionado no texto acima, sendo lenda ou não, se registrou que os pretos que faziam parte da comunidade de Itaúna eram ladrões. Neste momento ficou evidente que os (in)responsáveis desta informação, estavam totalmente equivocados. Este incidente representa, no meu ponto de vista, uma violação e rompimento significativo do limite histórico, cultural e ético em toda a história do município, minando as extensas pesquisas e documentações registradas por historiadores e pesquisadores ao longo dos anos. Vale ressaltar que no censo inicial realizado em 1831, aproximadamente 70% da população do arraial de Santana (hoje Itaúna) era de herança afrodescendente. 

Até o momento presente, não encontrei nenhum registro ou declaração de qualquer historiador ou publicação que indique ou declare que os pretos naquela época, tenham praticado roubos à paróquia de Santana de Itaúna. Ao analisar cuidadosamente essa “barbárie histórica”, expresso a minha mais profunda frustação e a minha preocupação com a gestão e divulgação da história do nosso município.  É provável que muitos indivíduos que pesquisaram a história de Itaúna, neste período em que continua disponível essa matéria no site da Prefeitura, tenham encontrado essas informações, que supostamente seriam de “utilidade pública”, principalmente para a comunidade itaunense. No entanto, este não é o caso. 

É imprescindível que essas informações sejam prontamente corrigidas. Proponho que os textos sejam referenciados de forma completa e correta. Além disso, recomendo expressar um sincero pedido de perdão por esta violação histórica da memória dos ancestrais e descendentes afro-brasileiros da comunidade itaunense, que são bens culturais inestimáveis, tangíveis e intangíveis, transmitidos através de gerações. Neste sentido, invoco as palavras do artista Belchior e peço permissão para incorporar duas palavras em sua canção “Roupa Velha Colorida”: No presente a mente, o corpo é diferente, e o passado de “insultos e acusações” é uma roupa que não nos serve mais... precisamos rejuvenescer!” Só assim, acredito que terei tranquilidade para retornar meus estudos e pesquisas, mas mantendo-me vigilante.  
Charles Aquino, em 6 de março 2024



Reinado em Itaúna


Nota: Ao apurar a postagem no site da Prefeitura hoje (11/03/2024), houve uma reformulação no texto, mas até o momento não foi registrada nenhuma nota referente à postagem antiga. Disponível em: Conjunto Arquitetônico do Morro do Rosário


Arte e organização: Charles Aquino
Imagem meramente ilustrativa: Pinterest


domingo, 25 de fevereiro de 2024

PÉRICLES RODRIGUES GOMIDE

Ou simplesmente LIQUE, nasceu em Itaúna, filho do Prof. José João Rodrigues Vieira e Leopoldina Gomide da Conceição. LIQUE foi dentista, músico, ator, autor e contrarregra teatral. Participou da famosa peça “AS CIGARRAS DO SERTÃO" ano de 1925.

Casou-se com Eponina Nogueira Gomide e teve 8 filhos: Orlando Nogueira Gomide, pintor; Elsa Nogueira Gomide, alta funcionário do Ministério da Educação e a quem Itaúna muito deve, pois, sua ajuda foi fundamental para o reconhecimento dos Cursos da Universidade de Itaúna; Sinésio Nogueira Gomide, durante muitos anos foi funcionário da Cia. Tecidos Santanense; Sóror Maria Imaculada Conceição, freira; Péricles Gomide Júnior, bancário e escritor e, como tal, adotou o pseudônimo de Pancrácio Fidélis. 

Durante muito tempo, escreveu crônicas sobre Itaúna no jornal "Folha do Oeste", de seu irmão PIU. Tais crônicas foram transformadas no livro "Crônicas e Narrativas de Pancrácio Fidélis", lançado na década de 60, e fez enorme sucesso; Sebastião Nogueira Gomide, o PIU, funcionário dos Correios como Telegrafista e em 1943 fundou o jornal "Folha do Oeste", onde era o proprietário, editor, redator e repórter.

O jornal circulou até sua morte e a viúva, Sra. Esther, (que era também sua prima em primeiro grau), vendeu para o jornalista José Waldemar Teixeira de Melo, que por sua vez o repassou ao jornalista Renilton Pacheco, que mudou o nome para "Folha do Povo" e circula até os dias de hoje; José Nogueira Gomide, engenheiro geólogo, funcionário da Petrobrás; Eponina Maria do Carmo Nogueira Gomide Soares, funcionária pública.

Por ocasião da decisão de qual seria o nome do atual Teatro Municipal do nosso município, houve uma corrente que defendia o nome de Péricles Gomide. Infelizmente não conseguiram, o que foi considerado uma enorme injustiça. Todavia a memória de LIQUE estará para sempre na história de Itaúna, pois, uma das ruas da cidade leva o seu nome.

Sua esposa Eponina construiu a capela da Imaculada Conceição, justamente à Rua Péricles Gomide. Na ocasião o terreno onde está erguida a capela pertencia e foi doado por LIQUE. Hoje a capela está um pouco descaracterizada pois foi construída quase na sua frente à casa onde reside o pároco de Sant'Ana. Na época da construção, parte da família tentou em vão, impedir. Não conseguiu.

Esta é, resumidamente, a história do grande ator PÉRICLES GOMIDE, o "LIQUE".

Uma Nota: Prof. Vilmar Aparecido de Sousa, o PITUCA, diretor e produtor teatral, muito conhecido em Itaúna, declarou textualmente sobre o LIQUE: “FOI O MAIS NOTÁVEL E RESPEITADO ATOR QUE JÁ PISOU NOS PALCOS DE ITAÚNA”

Prof. Juarez Nogueira Franco (In Memoriam)


Diploma: Instituto de Medicina Electrica, Cirurgia Dentaria e Massagem

 
PÉRICLES GOMIDE, que aqui iniciou os seus trabalhos, tendo praticado inicialmente com o Sr. Antônio José dos Santos e Miguel Alves, em viagens que os mesmos realizavam com percursos grandes. Nestas viagens trabalhou durante nove meses em Araxá, quando regressou, em 1902 instalou definitivamente o seu gabinete dentário em Itaúna.

Desde este período até o ano de 1944, trabalhou praticando a clínica e prótese, atendendo sempre na atual residência à Rua Antônio de Matos. Foi ajudante de Promotor de Justiça do termo de Itaúna, até ser instalada a Comarca. Ingressou como agente do Correio no ano de 1910 permanecendo até 1946, quando foi aposentado.

Foi também diretor de diversas corporações musicais que existiram naquela época, professor de música, compositor, tendo sido presidente do “Teatro Mário Matos” quando foi levada a revista “A Cigarra do Sertão”. Durante muitos anos foi ensaiador de peças teatrais. Compôs os seguintes dobrados: Dengoso, Gafanhoto, Itaúna. E as seguintes valsas: Eponina, 23 de agosto, Sorriso, muito popular em Itaúna.

Casado com D. Eponina Nogueira Gomide, tendo os seguintes filhos: Orlando Gomide, Sinésio, Sebastião, Péricles, Elza, Maria do Carmo e José. 

Tem em sua casa um diploma da Universidade Escolar Internacional, concedendo o direito de trabalhar como dentista, datada no Rio de Janeiro em 1º de março de 1913. Posteriormente foi concedida uma licença pelo Departamento Estadual de Saúde como prático licenciado.

Prof. William Leão (In Memoriam)


REFERÊNCIAS:
Revista Acaiaca: História da Odontologia no município de Itaúna. p. 146,147,148,149. Ano: 1954, Org. Celso Brant, Belo Horizonte/MG.
Pesquisa e organização: Charles Aquino.
Acervo: Professor Marco Elísio.
Textos: Prof. Juarez Nogueira Franco, Prof. William Leão.

 

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

OS NOSSOS PRETOS

 Professor Sérgio* 

Os portugueses nos legaram muita coisa boa, como o quindim e o amor à poesia, mas trouxeram pra cá alguns péssimos valores, como a violência contra populações frágeis, desumanizando-as. Fizeram isso com os negros e com os indígenas. Os nossos patrícios evoluíram, mas no Brasil continuamos a desrespeitar tanto os indígenas quanto os pretos.

Em Itaúna a memória indígena foi totalmente apagada e a africana, encontra-se em processo de dolorosa dilapidação: a importância da presença negra está sendo varrida da nossa história. Há alguns anos fui à cidade de Bomfim com o vereador Alexandre Campos, que estava procurando registros da migração dos negros pra cá. Chamados por suas habilidades na tecelagem, eles foram fundamentais para a viabilização dessa atividade essencial para a consolidação de Itaúna. São fatos que não podem ser esquecidos.

Com a sua história espalhada por aí, resta à comunidade negra itaunense, como grande símbolo da sua identidade, o Alto do Rosário. Entretanto, com a liberação da construção de edifícios altos, logo ali! a descaracterização daquele espaço é iminente. Se for perdido o domínio que se tem da paisagem, lembranças e vivencias importantes vão sumir. Parte desse prejuízo já aconteceu, quando foram doados terrenos em frente à caixa d’água, terrenos que permitiam visadas espetaculares do vale do Rio São João. Ainda dá tempo de impedir a continuidade da tragédia anunciada pelo Plano Diretor, entretanto, os vereadores são brancos e tradições alheias não interessam a eles.

Os pretos precisam construir lideranças de visão, comprometidas de fato com o coletivo, lideranças que trabalhem para fortalecer a autoestima dessa parcela da população e que compreendam a amplitude da sua história, das suas tradições, que percebam a importância da manifestação concreta dessa comunidade no espaço urbano itaunense.

Diante desta ameaça ao Morro do Rosário, o historiador Charles Aquino e eu começamos a levantar subsídios para impetrar uma ação pública contra o desvario. Mas o trabalho nos reservava uma grande surpresa. Num de seus mergulhos cuidadosos, Charles esbarrou em evidências de que existiu, junto à igreja do Rosário, um cemitério. Fotos antigas também apontavam nessa direção, mas, a consistência veio da existência de um registro nominal dos cidadãos enterrados, mais de duzentos, quase todos pretos. Como não há indícios da transferência dos corpos, supomos que eles ainda estejam lá. Debaixo do asfalto. A situação precisa ser investigada e foi o que solicitamos ao Ministério Público: a Prefeitura foi notificada e há um ano se mantém em silêncio. 

Remexo nesse baú desconfortável, para lembrar que as manifestações deploráveis de racismo não estão apenas lá longe, na Espanha e nem sempre são evidentes como pendurar um boneco num viaduto: estão bem aqui, debaixo dos nossos narizes, disfarçadas de normalidade. Poucos negros têm vez na administração do município. No governo atual, nenhum secretário, nenhum diretor de departamento. Eles não são chamados de macacos, mas são tratados como inferiores. Por serem tão pouco representados, um estrangeiro poderia concluir que os pretos são menos capacitados, menos educados, menos inteligentes, o que seria um absurdo! Mas é o que os números insinuam e é o que precisamos desmentir com veemência e ações concretas.

Sugiro, como gesto inaugural, a reurbanização do Rosário e a criação de um pequeno museu, um memorial, que contasse a história da comunidade desde que os negros se estabeleceram por aqui. Seria uma demonstração do nosso reconhecimento a esses bravos pioneiros. Os dois milhões do calçamento do Bonfim poderiam ser utilizados pra isso... nem precisaria de tanto! O memorial se constituiria num símbolo evidente do nosso compromisso em mudar a atual situação de esquecimento, podendo dar início a uma série de ações de longo prazo, visando integrar efetivamente os pretos, na sociedade itaunense.

Eu sempre me embaralho quando vou chamar os descendentes africanos de pretos ou de negros. Mas na verdade, isso é irrelevante: são pessoas comuns como quaisquer outras e ponto. É como devemos considerá-los: irmãos merecedores de toda a nossa estima e respeito.


Referências:

Texto: Professor Sérgio Márcio Machado* - Arquiteto, Urbanista, Professor M.Arts

Fonte digital: Redação do Jornal Folha do Povo Itaúna Disponível em: https://www.folhapovoitauna.com.br/os-nossos-pretos em 29 de maio 2023, Itaúna/MG

Acervo Ilustrativo: Alberto Henschel - Leibniz-Institut Für Länderkunde in ERMAKOFF, George. O negro na fotografia brasileira do Século XIX. Rio de Janeiro: George Ermakoff Casa Editorial, 2004. p. 182. ISBN 85-98815-01-2. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Afro-brasileiros#/media/Ficheiro:Alberto_Henschel_-_Pernambuco_4.jpg

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

QUILOMBO DA FAMÍLIA RODRIGUES

 Segundo o itaunense e genealogista Guaracy de Castro Nogueira, na margem esquerda do rio São João, adjacente à vila da Beira do Rio, no município de Itaúna/MG, estendia-se uma significativa extensão de terreno cultivado, delimitada por um “antigo muro de pedras”. Este local abrigou a família Rodrigues, remanescente de quilombo, constituída inteiramente por afrodescendentes. As visitas a este local revelaram algo verdadeiramente extraordinário para a nossa região em meados do século XX. Neste refúgio isolado residiam várias famílias, todas unidas pelo sangue partilhado e por vestígios tênues da sua herança africana. O mais velho deles era Belmiro, que ocupava o estimado cargo de patriarca, respeitado por todos. O genealogista ressalta que o patriarca revelou várias histórias de outros antepassados ​​da mesma linhagem que outrora habitaram esta mesma terra, embora as suas identidades permanecessem envoltas em mistério.

A própria terra ostentava solo fértil e água abundante, resultando em colheitas variadas. Sob a sábia liderança do velho Belmiro, as provisões eram distribuídas de acordo com as necessidades individuais de cada membro da comunidade, garantindo a sua sobrevivência coletiva. Os habitantes desta comunidade tinham interação mínima com a cidade; eles eram quase totalmente autossuficientes. Envolvidos em atividades como agricultura, colheita e tecelagem, não tinham interesse em documentos de propriedade ou dinheiro. Em vez disso, o seu desejo era encontrar uma nova terra onde pudessem manter o seu modo de vida atual.

Guaracy, em seu caráter informativo, revela que obteve com sucesso autorização de diversas empresas e procedeu à compra do restante da Fazenda do João Alves de Morais (vulgo João do Aarão). Neste terreno foram construídas seis casas, cada uma com sua área cercada e escritura oficial. Além disso, foi proporcionado a eles acesso à água, garantindo que tivessem tudo o que desejavam. Como gesto de compensação, cada casal também recebeu Cr$ 10.0000,00 (dez mil cruzeiros) em 26 de janeiro de 1956.

Em certas ocasiões, o historiador atravessava o lago de barco, acompanhado de alguns amigos, e comemorava com “foguetes, bebidas e biscoitos” junto com os quilombolas.  Estas confraternizações festivas prolongavam-se até altas horas da manhã, com danças animadas no terreiro ao ritmo da cabecinha de égua, acompanhadas pelos sons melodiosos dos oito contrabaixos de Vicente Ventura. Os indivíduos expressaram profunda gratidão, no entanto, constataram de que a terra em si não era tão fértil como esperavam. Consequentemente, tomaram a decisão de vender suas propriedades. Inicialmente, aqueles que procuravam um retiro à beira do lago eram os principais compradores. Infelizmente, a cidade não se mostrou benéfica para muitos deles e apenas alguns fizeram algum progresso significativo.

Às vezes, ainda segundo Guaracy, recebia mensagens solicitando transporte de barco para levar Belmiro ao hospital, pois foi um amigo fiel até sua morte. A companheira de Belmiro, Dona Conceição, também faleceu na cidade após viver uma vida marcante e longa ao lado do patriarca. O historiador ainda ressalta que as histórias de todos aqueles habitantes permaneceram intacta em suas memórias, incluindo Joaquim Rodrigues (viúvo), João Rodrigues casado com Mercês Maria Rodrigues; Marinho Rodrigues c/c Maria Severina de Jesus; Francisco Rodrigues c/c Vicentina Rodrigues de Paula; José Rodrigues c/c Maria Alves Rodrigues; Divino Rodrigues c/c Raimunda Vieira Rodrigues, bem como outros indivíduos ainda menores de idade. Destaca que se tratava de pessoas de bom caráter, honrados, humildes, indiferentes às agruras da vida, exemplificando a natureza pacífica e vida dinâmica daqueles verdadeiros quilombolas.

Hipótese

Após realizar uma breve investigação sobre o líder quilombola Belmiro, estou confiante de que as informações que encontrei estão alinhadas com as conclusões do pesquisador Guaracy. Para verificar ainda mais a veracidade, seria necessário o acesso às escrituras de terra daquela época. Com base nos documentos que examinei posso fornecer os seguintes dados: o nome completo do patriarca era Belmiro Severino Rodrigues, natural de Itaúna. Faleceu em 17 de abril de 1968, aos 78 anos, no dia seguinte foi sepultado no Cemitério Central do município de Itaúna. O registro de óbito o categoriza como filho de Carlota de tal, o que é bastante intrigante. Vale ressaltar que o nascimento de Belmiro ocorreu por volta de 1890, período pós-abolição. A partir disto, pode-se razoavelmente presumir que a sua mãe provavelmente tinha sido escravizada antes deste ato significativo de mobilização.

TABLOIDE DA FAMÍLIA RODRIGUES PARA BAIXAR


Referências:

Pesquisa e organização: Charles Aquino - Historiador Registro Profissional nº 343/MG

Fonte Impressa:  NOGUEIRA, Guaracy de Castro. In Enciclopédia Ilustrada de Pesquisa: Itaúna em detalhes. Ed. Jornal Folha do Povo, 2003, fascículo 34.

Imagem Ilustrativa: Autor Johann Moritz Rugendas, Escravidão, Habitation de négres, 1827. Brasiliana Iconográfica, Acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, Brasil. Coleção Brasiliana/Fundação Estudar. Doação da Fundação Estudar, 2007. Disponível em: https://www.brasilianaiconografica.art.br/obras/19497/habitation-de-negres

Cemitérios Municipais: Prefeitura Municipal de Itaúna. Registro de óbito. Disponível em: https://www.itauna.mg.gov.br/portal/cemiterios/7207/

Certidão de óbito MG Cidadão: Disponível em:  https://cidadao.mg.gov.br/#/login

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

FELIPA PEIXOTA

 

LENDAS EM TORNO

 DA FAZENDA DAS PEIXOTAS E DA CAPELA DO ROSÁRIO

O carneiro de Ouro

João Dornas Filho chama a atenção para uma lenda que envolve Felipa Peixota (ou Peixoto), antiga proprietária da fazenda das Peixotas no arraial de Santana do Rio São João Acima, hoje Itaúna/MG. Segundo o historiador, a fazendeira teria adquirido uma vasta sesmaria ao presentear o Príncipe Regente D. João (mais tarde Rei D. João VI) com um “carneirinho” feito de ouro proveniente de uma das suas lavras das Lavrinhas. Essa sesmaria, abrangia Santana e se estendia ao longo do rio de São João Acima até Lavrinhas, do Barreiro até Cajurú e Rio Pará, e mais acima pelo Rio São João em direção a Santana. Segundo o historiador João Dornas é evidente, apenas pelo seu tamanho, que esta tradição é altamente implausível, especialmente quando se consideram as cartas de sesmaria documentadas de Manoel Teixeira Sobreira e Antônio Gonçalves da Guia, bem como as de Manoel Teixeira Mossa - todas elas enquadradas no suposto território de Felipa Peixota, conforme tradição.

A Capela do Rosário

Os antigos habitantes do arraial de Santana foram avisados ​​de que a Capela “ia ser fundada no chapadão dos Capotes”. Porém, devido a doenças prevalentes, decidiu-se construí-lo no morro que hoje é o Rosário. Esta escolha foi influenciada por um certo Torquato Alves, agricultor residente nas proximidades. Reza a lenda que uma próspera fazendeira chamada Felippa Peixoto (Santiago – não sei onde ele tirou esse sobrenome), moradora da fazenda Peixotas, doou generosamente a propriedade à capela. Este lugar sagrado serpenteava ao longo do morro da Laje e dos riachos aninhados nas cristas onduladas que circundavam a humilde igreja. A doação abrangeu inclusive as terras agrícolas pertencentes ao Coronel Quintiliano Lopes Cançado que 1855, registou a Capela “já como sua”, fazendo este significativo registro no livro oficial da Paróquia, conforme estabelecia a Lei de 1850, que atualmente se encontra arquivado no APM - Arquivo Público Mineiro.

Testamento de Felipa Peixota 1804 ITAÚNA - MG

Sant'Anna de São João Acima

TTro: O filho Domingos Francisco Peixoto

“Em nome de Deos amem=Saybam quantos este testamento virem que sendo no anno de Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oito centos e quatro aos vinte e hum dias do mes de Julho do ditto anno nesta Fazenda do Corgo do Soldado Termo da Villa de Pitangui em casas de morada do Alferes Antonio Soares Braga onde eu Filippa Peixota me achava, que por estar em meu perfeito Juiso quero fazer as minhas dispoziçoens de ultima vontade na forma seguinte= Declaro que sou natural da Cidade da Bahia filha legitima de João Peixoto e de Theresa Crioulla já falescidos = Declaro que fui casada com Manoel Francisco Simião já falescido, de cujo matrimonio tivemos os filhos seguintes= Martinho= Domingos= Antonio= Maria já falescida casada com Luis Moreira e deixou huma filha por nome Genovefa= Theresa também falescida casada com Antonio Peixoto e deixou dous filhos por nomes Jose e Anna= Izabel solteira também falescida e deixou hum filho por nome Antonio que todos são meus universais erdeiros asim como he de minha meação do casal= Manoel e Rosa casada com Domingos da Silva Porto, os quais dous filhos são adulterinos pellos haver concebido durante o Matrimonio em ausência do dito falescido meu marido= Declaro, instituo por meus testamenteiros em primeiro lugar a meu filho Domingos Francisco Peixoto, em segundo a outro meu filho Antonio Francisco Simião, e em terceiro lugar a meu neto Jose Francisco e lhes deixo hum anno para dar contas deste testamento= Declaro que por meu falescimento sera meu corpo amortalhado  no habito de Nossa Senhora do Monte do Carmo por ser irmaa professa na ordem Terceira da Villa Rica e sepultada na Capella de Nossa Senhora Santa Anna de São João Asima desta Freguesia de Pitangui e acompanhara meu corpo o Reverendo Capellam e outros sacerdotes que comodamente se ajuntar a quem se dara cera de meya [?] e se distribuira no dito meu enterro meya arroba de cera = Declaro que se dirão por minha Alma vinte missas e outras tantas pella Alma de meu falescido marido de esmolla costumada= Declaro que pellos bons serviços que me tem feito minha escrava Custodia crioulla a deixo forra e meu testamenteiro lhe passara logo depois do meu falescimento sua Carta de liberdade asim como tambem fara o mesmo a Rita crioulla e Joanna crioulla que sera incluido na minha terça os seus valores= Declaro que meu testamenteiro dara a cada huma das duas filhas de Antonio de Medeiros Rosa por nomes de Rufina e Manuella desasseis oitavas de ouro para ambas como tambem a Dona Bernarda Maria orfa irmãa do Capitam João Baptista Leite des oitavas de ouro. E nesta forma hei por acabado este meu testamento de ultima vontade que o mandei escrever pelo Tabeliam Jose Moreira de Carvalho no mesmo dia mes e anno asima declarado, e por não saber ler nem escrever mandei que asignase a meu rogo meu filho Martinho Francisco Simião.” A rogo de minha mãe Filippa Peixota= Martinho Francisco Simião=

APROVAÇÃO: em 21 de Julho de 1804 na Fazenda do Corgo do Soldado Termo da Cidade de Pitangui em casa do Alferes Antonio Soares Braga;

ABERTURA: em 26 de Julho de 1808 em Santa Anna de São João Acima pelo Capelão Jose Bernardino de Sousa;

ACEITAÇÃO: em 22 de Agosto de 1808 pelo filho Domingos Francisco Peixoto.


REFERÊNCIAS:

Organização, pesquisa e texto: Charles Aquino - Historiador Registro nº 343

Arte: Gabriel Aquino

Paleografia do Testamento de Felipa Peixota: Genealogista Dr. Alan Penido

Testamento Felipa Peixota - AJP – Arquivo Judicial de Pitangui - Processo V,109-1810-G.1-Pitangui – In IPH – Instituto Histórico de Pitangui.

Testamento Felipa Peixota, Cx91/Dc3164, 1804. ICMC. Instituto Cultural Maria de Castro.

NOGUEIRA, Guaracy de Castro. In Enciclopédia Ilustrada de Pesquisa: Itaúna em detalhes. Ed. Jornal Folha do Povo, 2003, fascículo 26.

FILHO, João Dornas. Itaúna: Contribuição para a história do município, 1936, págs. 14-16.