segunda-feira, 24 de junho de 2024

JESUS DO BANJO

  A poeta Vera Alice dos Santos, em seu relato poético sobre seu pai, Jesus Taveira dos Santos, traça um retrato afetuoso e reverente de um homem que, apesar das dificuldades e simplicidade da vida, deixou um legado marcante tanto no âmbito do trabalho quanto no universo musical. Conhecido carinhosamente como "Jesus do banjo" ou "Figo", foi um trabalhador dedicado e um músico talentoso, cuja presença trazia alegria a todos ao seu redor.

Jesus Taveira exerceu sua função nas décadas de 1950 e 1960 na Cia. Industrial Itaunense. A poeta recorda com carinho que ele trabalhava descalço, “não gostava de sapatos ou botinas”, uma escolha que reflete uma autenticidade e ligação profunda com suas raízes e a realidade de seu tempo. Esse detalhe aparentemente simples, destacado por Vera Alice, poderia simbolizar uma resistência silenciosa à padronização e uma conexão visceral com o chão que pisava, reforçando a imagem de um homem genuíno e resiliente.

Além de sua vida laboral, Jesus Taveira era conhecido por seu talento musical. Durante os dias da semana, à noitinha, ele entoava canções com uma voz mansa e suave, criando momentos de comunhão e alegria familiar, onde todos faziam coro. Esses momentos eram pequenas celebrações diárias, onde a música servia como um laço de união e felicidade.

“Jesus do banjo” transformava-se no músico vibrante que dedilhava com destreza as cordas de seu banjo. Suas apresentações nas festas juninas, serenatas e encontros dos amantes da música eram aguardadas com expectativa, pois ele conseguia, através de seu talento, criar uma atmosfera de alegria e celebração que encantava a todos.

Através das memórias da poeta Vera Alice, emerge a figura de um homem que, apesar das limitações e dificuldades da vida, encontrou na música uma forma de expressão e um meio de alegrar aqueles ao seu redor. Sua dedicação tanto ao trabalho quanto à música é um testemunho de sua força e paixão pela vida. O legado de Jesus Taveira, portanto, não é apenas de um trabalhador esforçado, mas também de um artista cuja música continua a ressoar nas memórias e corações daqueles que tiveram a sorte de ouvi-lo.

Vera Alice dos Santos, com sua narrativa poética, consegue capturar a essência de seu pai, oferecendo ao leitor uma visão íntima e tocante de um homem cuja simplicidade e talento deixaram uma marca inesquecível na vida de sua família e comunidade itaunense.


Veja o incrível: Acróstico -  Jesus do Banjo 


Referências:

Arte, pesquisa e organização: Charles Aquino

História oral e escrita: Poeta Vera Alice dos Santos em 2016

SANTOS. Vera Alice do. Essências. 1ª Coletânea do Grupo de Escritores itaunenses. Ed. Vide, 2015, p. 119.


quinta-feira, 6 de junho de 2024

DEVOTO: TOMÁS DE AQUINO


  O impacto de Aristides de Aquino como profissional e como pai é caracterizado por uma mistura de proficiência, comprometimento, perseverança e carinho. Seus filhos herdaram não apenas um nome, mas também uma coleção de princípios e modelos. A influência de Aristides é evidente na conduta, na ética de trabalho e na resiliência demonstradas pelos seus descendentes ao enfrentarem as provações da vida, garantindo que o espírito e os ensinamentos do seu patriarca perduram.

   Inspirando-se em São Tomás de Aquino, a decisão de adotar o sobrenome Aquino significa um vínculo profundo com a fé e a espiritualidade. Sem dúvida, esta devoção desempenhou um papel fundamental na formação do desenvolvimento moral e ético dos seus filhos, estabelecendo uma base sólida de princípios e promovendo um sentido de unidade dentro da família. Aristides de Aquino, como profissional e pai, deixou um legado indelével, impactando profundamente a educação e os valores incutidos nos seus filhos.

   Aristides dedicou parte significativa de sua vida à Rede Ferroviária, cumprindo a função de guarda-fios. Esta posição específica desempenhou um papel vital na preservação da integridade das linhas telegráficas e telefónicas, que foram de extrema importância numa época em que a tecnologia ainda estava na sua fase inicial. O excepcional nível de responsabilidade e proficiência demonstrado por Aristides no desempenho das suas funções serve como um exemplo brilhante de dedicação e profissionalismo inabaláveis.

   A capacidade de Aristides de se ajustar e enfrentar diversas situações e obstáculos é exemplificada pela escolha de residir em um vagão conectado a um trem, garantindo movimento constante ao lado de sua família. Apesar dos desafios, este modo de vida nômade mostra a sua adaptabilidade e a sua disponibilidade para fazer sacrifícios em prol do bem-estar da sua família e das suas obrigações profissionais.

   Aristides e sua esposa, Dona Puruca, criaram com sucesso um total de quatorze filhos (dois dos quais morreram na infância) e até ampliaram a família adotando um. Eles não apenas proporcionaram um lar amoroso para seus filhos, mas também incutiram neles uma base sólida de valores. A vida itinerante que levaram, deslocando-se de cidade em cidade, proporcionou, sem dúvida, aos seus filhos uma educação única e diversificada, mergulhando-os em diversas culturas e expondo-os a diferentes perspectivas de vida.

   A influência da dedicação inabalável de Aristides ao seu trabalho e do seu papel como pai atencioso teve um efeito profundo e duradouro nos seus filhos. Eles colheram lições valiosas sobre a importância da diligência, da responsabilidade e da resiliência. Esses princípios são fundamentais para formar indivíduos que sejam firmes na busca de aspirações pessoais e no cumprimento de responsabilidades.

   Aristides não só tinha uma forte ética de trabalho, mas também encontrava alegria no futebol e na música. Esta mistura harmoniosa de trabalho e lazer provavelmente incutiu nas crianças o valor de perseguir paixões pessoais e de abraçar as alegrias da vida fora do trabalho. Além disso, o seu humor contagiante e o seu bigode distinto serviam como símbolos exteriores da sua personalidade viva, o que sem dúvida fomentava uma atmosfera calorosa e convidativa no seio da sua família.

 

ORIGEM DA FAMÍLIA AQUINO

No arraial mineiro do Morro de Matheus Leme, hoje cidade de Mateus Leme, no ano de 1912 nascia Aristides de Aquino – patriarca da Família Aquino. Funcionário da Rede Ferroviária por vários anos, exerceu a função de guarda-fios (profissional que fiscalizava a linha telegráfica ou telefônica; que trabalhava nas montagens de postes de madeira que  eram colocados os fios e efetuando reparos de emergências quando necessário). O guarda-fios casou em 27 de janeiro de 1940 com Maria Nazaré Castanheira (Dona Puruca) e juntos percorreram trabalhando e residindo em várias cidades de minas gerais, tendo como moradia um carro-vagão que era engatado a um trem.

Desta união alguns filhos nasceram em distintas cidades mineiras – José Maria de Aquino, nascido em Passa Quatro, Maria Aparecida de Aquino, nascida em Alfenas, Leonardo Custódio de Aquino, nascido em Araxá, Lucília Castanheira de Aquino, nascida em Belo Horizonte, Luiz Gonzaga de Aquino, Geraldo Benedito de Aquino, Maria Lúcia de Aquino, Maria de Fátima de Aquino, Aristides Antônio de Aquino, Natália de Aquino, Maria Márcia de Aquino e Maria Angélica de Aquino nascidos em Itaúna. Uma criança foi adotada pelo casal, Weber de Oliveira, nascido também em Itaúna.
 
No ano de 1936, o presidente Getúlio Vargas, assinava a Lei de número 252 de 26 de setembro, que prorrogava o prazo para o registro civil de nascimentos: Art. 1º Os nascimentos ocorridos no território nacional desde 1 de janeiro de 1879, que não foram registrados no tempo próprio, devem ser levados a registro dentro do prazo de um ano, mediante: 1º Petição e despacho do juiz do cível do lugar do nascimento se o registrando tiver doze anos de idade, ou mais.

 Aos 19 de outubro do ano de 1937, Aristides com idade de 25 anos, compareceu ao Cartório de Mateus Leme com a presença de testemunhas, exibindo uma petição despachada pelo Juiz de Direito para registrar o seu nascimento em virtude da Lei de 1936 e declarou:

 Que ele declarante ARISTIDES DE AQUINO, do sexo masculino, de cor morena, nasceu neste arraial, à rua do cemitério, no dia sete de março de mil novecentos e doze, às dezesseis horas, que é filho de JOÃO CAMILLO DA SILVA, brasileiro, já falecido e de dona MARIA ADRIANA DA SILVA, brasileira, ambos naturais deste distrito, (…), que são seus avós: pelo lado paterno CAMILLO MOREIRA DA SILVA E MARIA LUCAS DA SILVA, ambos já falecidos e pelo lado materno FRANCISCA MARIA DE JESUS, já falecida; finalmente que não tem outros irmãos com o mesmo prenome. Do que faço constar, faço este termo em que comigo assinaram o declarante e as testemunhas MANOEL BRAZ OBELHEIRO, comerciante e JOSÉ MENDES, padeiro, residentes neste distrito, depois de ser lido por mim e achado tudo conforme. Eu Francisco de Abreu Vasconcellos, oficial do Registro, o escrevi e assino.  O referido é verdade, do que dou fé, Mateus Leme –  MG, 1937.

 Além de exercer com competência e amor sua profissão de guarda-fios, Tico – Tico, assim chamado pelos seus amigos e familiares, Aristides de Aquino, apreciava o futebol e uma boa música.  Sempre acompanhando de seu charmoso e inseparável Moustache (bigode) tinha como aliado, um senso de humor apurado, esse cultivado até hoje pelos seus descendentes. Sua casa em Itaúna, era situada à rua Santo Agostinho, nº 67 – Graças. 

Verificando a documentação no cartório da cidade de Mateus Leme, percebi que o sobrenome AQUINO teria sido escolhido pelo próprio declarante Aristides, cujo seus pais não possuíam. Descobriu-se também, uma interessante informação sobre o monge dominicano, professor filósofo e teólogo São Tomás de Aquino (morreu em 7 de março de 1274) e Aristides de Aquino (nasceu em 7 de março de 1912), que ambos tinham o mesmo dia e mês em comum. Conversando com familiares, fui informado que meu avô Aristides de Aquino era devoto do monge, no qual, certamente em sua homenagem, adotou o seu sobrenome dando origem a família AQUINO.



Charles Aquino - neto 

06/06/2024

sexta-feira, 31 de maio de 2024

IRMÃ BENIGNA: UMA LÍDER NEGRA

Irmã Benigna: Devoção e Liderança de uma mulher negra

Negra e pobre enfrentou a rejeição da congregação inicial à qual procurou ingressar. Porém, uma virada ocorreu quando Dom Carlos de Carmelo Mota, nomeado Bispo Auxiliar em Diamantina, estabeleceu um vínculo com sua família. Reconhecendo a sua vocação, ligou-a às Irmãs Auxiliares de Nossa Senhora da Piedade, onde encontrou o seu lugar e se dedicou a uma vida de santidade. Em 1935, Maria da Conceição Santos, devota de Nossa Senhora de Lourdes, tornou-se membro da Congregação. Em 1936, abraçou formalmente a obediência ao fazer seus votos religiosos iniciais. A partir desse momento, adquiriu o nome de Irmã Benigna Víctima de Jesus, marcando o início de sua jornada missionária ao se dedicar à prestação de serviços espirituais em áreas designadas pela Congregação.

Em 1941, participando de cerimônia em Itaúna, fez os votos perpétuos. Durante este significativo evento, a Superiora da Congregação e outras religiosas, estiveram presentes para testemunhar o seu compromisso. A partir de uma investigação realizada neste ano, com considerável abrangência, é altamente provável que tenha concluído com êxito um curso de três anos na "Escola de Enfermagem do Estado de São Paulo", obtendo o prestigiado título de "Enfermeiro Prático Licenciado". A conceituada instituição era conhecida pela adesão aos padrões de ensino europeus e norte-americanos, e havia uma lista de formandos daquele ano que incluía seu nome.

Em 1943, foi nomeada Irmã Superiora, onde atendeu diligentemente às necessidades de suas irmãs. Irmã Benigna, na qualidade de diretora da Santa Casa em Itaúna, criou uma maternidade dedicada a prestar assistência às mães desfavorecidas. Ela não apenas ofereceu apoio durante o parto, mas também transmitiu conhecimentos valiosos sobre a educação dos filhos, abrangendo aspectos como saúde, higiene, nutrição e cuidados emocionais. Em 1946, participou ativamente na cerimônia de lançamento da pedra fundamental do recém-construído edifício hospitalar em Itaúna, atualmente reconhecido como Hospital Manoel Gonçalves, abençoado pelo padre Waldemar Antônio de Pádua Teixeira e pelo padre José Ferreira Netto.

Em 1947, Irmã Benigna concluiu seu mandato de doze anos como superiora do hospital, deixando uma profunda influência na comunidade itaunense e um legado duradouro de melhores serviços de saúde. Ao lado das Irmãs Auxiliares da Piedade, o seu compromisso compassivo em prestar cuidados humanos e eficazes contribuiu grandemente para o bem-estar dos doentes e desfavorecidos. No mesmo ano, em de 16 de novembro, registrou informações sobre os serviços prestados no Hospital de Itaúna ao longo dos anos — em 1943, o movimento do estabelecimento incluía 62 cirurgias de grande porte, 6.558 consultas, 7.861 curativos, 2.207 injeções, 366 pequenas cirurgias e 5.138 receitas. Em 1944 foram 8.376 consultas, 84 cirurgias de grande porte, 8.146 curativos, 6.796 injeções, 482 pequenas cirurgias, 8.167 prescrições. Em 1945 foram 7.849 consultas, 76 cirurgias de grande porte, 7.842 curativos, 6.425 injeções, 436 pequenas cirurgias, 7.948 prescrições. De 1946 até outubro de 1947 foram 8.264 consultas, 69 grandes cirurgias, 7.896 curativos, 5.904 injeções, 392 pequenas cirurgias, 6.948 prescrições.

Em 1948, Irmã Benigna Víctima de Jesus completou sua missão em Itaúna. Seu legado é definido pelo amor, fé e compaixão, que ela demonstrou através de dedicação inabalável e altruísmo. Uma das observações finais da Irmã capta o seu compromisso — “procurei cumprir o dever que me foi imposto como também na medida de minhas forças, mantive como foi possível a minha capacidade, a ordem e o respeito dentro do Hospital”.

Sua passagem por Itaúna foi marcada por um profundo impacto, consolidando-se como um período de significativa evolução e humanização no atendimento à saúde da comunidade. Os efeitos das ações caritativas estenderam-se além dos cuidados médicos para abranger a espiritualidade, atraindo inúmeras pessoas a procurarem consolo em Deus. No hospital, desempenhou com diligência todos os trabalhos essenciais, auxiliando os pacientes e seus entes queridos, oferecendo acomodações, sustento e encorajamento. Através da sua organização nas tarefas cotidianas juntamente com as orações, bem como da sua abordagem compassiva para com os pacientes, familiares e funcionários, ela irradiava a sua santidade, resultando numa multidão de conversões e num aumento de pedidos de orientação e intercessão.

Na prática de enfermagem, demonstrou também um compromisso inabalável com o bem-estar dos familiares dos pacientes, garantindo-lhes muitas vezes auxílio no hospital ou na comunidade local, assegurando a sua proximidade durante o tratamento. Ela não apenas ofereceu provisões como alimentos, roupas e remédios, mas também deu orientações valiosas sobre como manter os cuidados adequados em casa.

Irmã Benigna, uma líder negra e resiliente, transcendeu as dificuldades impostas pela pobreza para se tornar uma figura de grande impacto na sociedade. Desde jovem, demonstrou uma fé profunda e um desejo intenso de ajudar os mais necessitados, onde se dedicou a cuidar de doentes, idosos, órfãos e marginalizados. Ao enfrentar inúmeras adversidades com resiliência, nunca permitindo que as barreiras sociais a impedissem de cumprir sua vocação. Sua determinação em servir aos outros se manifestava em atos concretos de amor e caridade, evidenciando uma espiritualidade enraizada no serviço ao próximo. Ela não apenas atendia às necessidades físicas das pessoas, mas também oferecia conforto espiritual, promovendo a dignidade humana e a esperança.

Nos registros oficiais do hospital de Itaúna, a dedicação da Irmã Benigna em manter a disciplina e a reverência dentro da instituição é expressa de forma eloquente, destacando a sua devoção, liderança e compromisso em cumprir diligentemente as suas responsabilidades. Nas décadas de 1930 e 1940, Irmã Benigna – uma mulher negra – deixou um legado imensurável de liderança e comprometimento não só na Santa Casa, mas no Município de Itaúna (MG).



Referências:

Organização, arte e pesquisa: Charles Aquino - Historiador Registro nº 343/MG

Ata da Casa de Caridade Manoel Gonçalves de Souza Moreira — Itaúna/MG. Registrado sob nº 16.539 às fls 272 vº do Livro A-XI, p.13-15.

Jornal Correio Paulistano, 15 de junho de 1941, Ed. 26.158, p.25. Hemeroteca Digital.

Jornal Correio Paulistano, 02 de fevereiro de 1941, Ed. 26.047, p.11. Hemeroteca Digital.

Jornal A Noite, Rio de Janeiro, 16 de outubro de 1925, Ed.4.994, p.7. Hemeroteca Digital.

Jornal Irmã Benigna notícias Ed. nº77, p.4-5. Disponível em: https://www.irmabenigna.org.br/novo/pt/edicao.php?e=77.

CIANSP — Congregação das Irmãs Auxiliares de Nossa Senhora da Piedade em Caeté/MG. Disponível em: https://www.ciansp.com.br/fundador/.

AMAIBEN - Biografia da serva de Deus Irmã Benigna, Disponível em: https://www.irmabenigna.org.br/novo/pt/biografia.php.

Acervo fotográfico: Prof. Marco Elísio Coutinho (In Memoriam

 

sábado, 27 de abril de 2024

ASSOCIAÇÃO DE SANTA ZITA EM ITAÚNA

 

   Hoje, 27 de abril, celebra-se o dia de Santa Zita, virgem de Lucca, venerada padroeira das “Empregadas Domésticas”. Nascida em 1218 no povoado de Monsagrati, localizado perto da cidade de Lucca, na região italiana da Toscana, Zita vinha de uma modesta família camponesa. Envolvida no trabalho das famílias opulentas da nobreza, ela receberia sustento e roupas em troca de seu serviço dedicado. No entanto, este arranjo assemelhava-se a um “regime de servidão”, pois ela apresentava-se como uma dependente perpétua das famílias a quem servia. 

   Entre as décadas de 50 e 70, na próspera cidade de Itaúna, localizada na região Centro-Oeste de Minas Gerais, um notável coletivo de mulheres altruístas, predominantemente de ascendência africana, formou a Associação de Santa Zita. Sobre esse período, tivemos a oportunidade de conversar com quatro ex-trabalhadoras domésticas que faziam parte da Associação Santa Zita de Itaúna. Estas pessoas, Dona Edite Marques de Oliveira Melo (80 anos), Dona Geni Ferreira Pinto (86 anos), Dona Vicência Maria de Jesus (94 anos), e sua irmã, Dona Custódia Maria da Cruz Santos (96 anos), ainda emanam simpatia, vitalidade e devoção.


   Nas entrevistas, todas expressaram o profundo impacto que a Associação Santa Zita teve nas suas vidas, tanto em termos de crescimento espiritual como de desenvolvimento profissional. O Padre José Ferreira Neto, que desempenhou um papel fundamental de “guardião” da associação, foi amplamente citado com blandícia por todas as ex-integrantes. Recordavam-no com grande saudosismo, reconhecendo que, embora pudesse ter sido visto por alguns como um sacerdote vigoroso, porém, para elas foi um defensor amável e lépido. Durante entrevista, uma das participantes revelou que havia organizado uma apresentação teatral improvisada para o Padre Zé Netto, apesar de sua aversão a surpresas. No entanto, o resultado revelou-se inesperadamente agradável, pois “o padre caiu na gargalhada” e apreciou a experiência.

   A primeira missa era celebrada às 6h na Igreja da Matriz, momento que elas lembram ter participado antes de iniciarem o seu labor às 7h. Refletindo sobre a história de Santa Zita, uma das ex-domésticas relembrou as árduas horas que dedicou à casa dos patrões. Trabalhando incansavelmente sete dias por semana, carregou uma carga de trabalho superior a 8 horas por dia — “O patrão gostava de almoçar e jantar”. Contudo, para além das suas funções profissionais dentro das casas destas famílias, estas trabalhadoras domésticas também realizavam um trabalho afetivo e social, muitas vezes cuidando de crianças na ausência dos seus ocupados tutores.

   Neste período específico, o Dr. Célio Soares de Oliveira, Prefeito Municipal em exercício, aprovou oficialmente a Lei nº 509, em 29 de março de 1960. O artigo primeiro desta lei concedia permissão para doação de um terreno na vila Nogueira Machado à "Associação de Santa Zita". Os artigos segundo e terceiro estipulavam que este terreno se destinava à construção de uma residência para “as domésticas idosas e desamparadas”. Porém, se nada fosse construído no prazo de três anos, o terreno reverteria a “Patrimônio Municipal”.

   Já em 30 de janeiro de 1963, o prefeito alterou a Lei nº 509, passando pela Lei nº 627. A modificação refere-se especificamente ao artigo primeiro, que passou a ter a seguinte redação: “Fica o senhor Prefeito Municipal autorizado a doar à Associação de Santa Zita, 1 (um) lote de terreno com 600 m2 (seiscentos metros quadrados) [...] à Rua Antônio Orlando, nesta cidade”.

   As fiéis seguidoras de Santa Zita de Itaúna relembraram com alegria as diversas visitas e trabalhos espirituais que realizaram ao lado do padre Netto em diferentes localidades de Itaúna, especialmente no Córrego do Soldado. Além disso, em 1972, o Cônego José Netto organizou uma “romaria” à Basílica de Nossa Senhora Aparecida com as “domésticas de Itaúna” durante o “Ano Marial”. Este evento reuniu devotos de todos os estados, que foram calorosamente recebidos pelo Cardeal Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta. A história desta experiência inesquecível foi rememorada por todas em seus depoimentos.

   Conta-se que aqueles que fizeram a “peregrinação” ao Santuário de Aparecida, buscando também a intercessão de Santa Zita, tiveram suas orações atendidas no mesmo ano. Ainda na década de 1972, um marco significativo foi alcançado com a promulgação da Lei 5.859/1972, que visava definir os direitos dos trabalhadores domésticos e garantir-lhes uma vida profissional mais digna. Uma devota seguidora de Santa Zita, diz se lembrar deste período, nos relata recordar vividamente, sobretudo, do momento em que cumpria diligentemente as suas tarefas diárias de limpeza e ouviu as notícias transmitidas pela rádio. Pouco depois, o seu empregador abordou-a e informou-a de que, a partir desse dia, ela teria direito a todos os benefícios exigidos pela lei recém-promulgada.

   No interior da igreja Matriz de Sant'Ana em Itaúna, comumente chamada de Igreja Matriz, encontra-se a venerada imagem de Santa Zita, que anualmente era adornada com uma coroa pelas irmãs devotas e com procissão ao redor. O estimado Maestro Henrique cuida de alguns artefatos que foram gentilmente cedidos para nossa pesquisa, entre eles o estandarte e diversos itens associados à Associação Santa Zita. O Maestro teve um papel significativo guiando-nos até às irmãs devotas e oferecendo “pistas” valiosas ao longo de nossa jornada investigativa.

   A ausência de Dona Ivolina Gonçalves foi profundamente sentida na esfera administrativa. Esta associação teve também o seu valor na ajuda às pessoas que se encontravam desempregadas, onde eram recomendadas, muitas vezes pela administradora, que rapidamente conseguia colocá-las num local de trabalho “casa de família”. Com a morte da coordenadora em 1977, o grupo ficou disperso e não deu mais seguimento com a Associação.

   Vale ressaltar dois detalhes dignos de nota. O primeiro detalhe envolve uma iniciativa legislativa conhecida como Projeto de Lei Municipal número 08/2011, de autoria do Edil Lucimar Nunes Nogueira e aprovada oficialmente por Lei de número 4.545 pelo Prefeito Municipal Eugênio Pinto em 18 de fevereiro de 2011. Essa lei instituiu o “Dia Municipal da Empregada Doméstica em Itaúna, que deverá ser comemorado anualmente no dia 27 de abril. É importante ressaltar que esta data comemorativa foi incluída no Calendário Oficial de Eventos de Itaúna. Passando para o segundo detalhe, a Associação Santa Zita possuía CNPJ válido com o CEP número 35680-030, no município de Itaúna, iniciando em 31/07/1972 com atividades de associações de defesa dos direitos sociais e organizações associativas ligadas à cultura e arte.

   O compromisso inabalável da virgem de Lucca com a caridade cristã conquistou seu amplo reconhecimento entre os pobres. Apesar de viver do trabalho, ela permaneceu firme em sua missão. Ao longo da sua vida, Santa Zita dedicou-se a prestar assistência aos menos favorecidos e aos doentes. Esta devoção altruísta persistiu até a sua morte, aos sessenta anos, em 27 de abril de 1278.

   Com o passar dos anos, a notícia de sua santidade se espalhou e, em 1652, um fato surpreendente foi revelado após a exumação de seu corpo — estava perfeitamente conservado, desprovido de quaisquer sinais de decomposição, o cadáver havia secado e transformado em estado mumificado. Assim, este acontecimento extraordinário solidificou a sua canonização em 1696, sancionada pelo Papa Inocêncio XII. Em 11 de março de 1955, o Papa Pio XII proclamou Santa Zita "protetora universal das servas” ou “padroeira das empregadas domésticas”.

   Atualmente, seu corpo continua repousando em uma capela que leva seu nome, encerrada em um relicário de vidro, venerado pelos devotos, localizada no interior da Basílica de São Frediano, igreja romana em Lucca, na Itália. Hoje recordamos também o 746º aniversário da morte desta santa medieval que viveu no século XIII e continua a viver no coração dos seus fiéis.

   Assim, utilizando registros imagéticos, relatos orais, fontes primárias e impressas, reunimos informações valiosas sobre esta associação e essas incríveis trabalhadoras domésticas, que consideramos um testemunho significativo dos aspectos tangíveis e intangíveis do patrimônio cultural de Itaúna.

Padre José Ferreira Netto


Primeiro grupo da Associação de Santa Zita em Itaúna 

Monsenhor Hilton Gonçalves de Sousa - Monsenhor Álvaro Negromonte


Referências: 

Texto, pesquisa e arte: Charles Aquino - Profissão Historiador Registro nº 343.

Apoio a pesquisa: Luiz Assis

Apoio a pesquisa: Maestro Henrique

Apoio a pesquisa: Professor Pe. José Raimundo Batista Bechelaine

domingo, 24 de março de 2024

COMÉRCIO TRANSATLÂNTICO


    Dia 25 de março — "Dia Internacional em Memória das Vítimas da Escravidão e do Comércio Transatlântico de Escravos" é reconhecido pelas Nações Unidas. Esta data significativa serve como um lembrete dos esforços globais em curso para erradicar as injustiças enraizadas no comércio de escravos. Enfatiza também o papel crucial da educação no reconhecimento do profundo impacto deste acontecimento histórico na nossa sociedade moderna e na abordagem das suas consequências duradouras. Ao longo da história, mais de 15 milhões de indivíduos, incluindo homens, mulheres e crianças, foram transportados à força através do Atlântico.
    Numa mensagem de vídeo, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, enfatizou a importância de honrar a memória dos milhões de indivíduos afrodescendentes que suportaram as atrocidades da escravatura e do comércio transatlântico de escravos. Salientou ainda que este comércio estabeleceu e perpetuou um sistema mundial de exploração que persistiu durante mais de quatro séculos, devastando profundamente famílias, comunidades e economias.
    Ao refletir sobre a resiliência daqueles que sofreram sob a crueldade dos traficantes e proprietários de escravos, Guterres reconhece as contribuições significativas feitas pelos indivíduos escravizados para a cultura, o conhecimento e as economias dos países para os quais foram transportados à força. Embora o comércio transatlântico de escravos tenha terminado há mais de dois séculos, o chefe da ONU reconhece que as ideologias prejudiciais da supremacia branca que o alimentaram ainda persistem hoje.
    Guterres sublinha a necessidade urgente de desmantelar as consequências duradouras da escravatura e do comércio transatlântico de escravos, combatendo ativamente o racismo, a injustiça e as desigualdades, e promovendo comunidades e economias inclusivas que proporcionem oportunidades iguais para todos viverem em paz e dignidade.

Secretário-geral da ONU, António Guterres



Censo em 1831 Sant'Ana do Rio São João Acima (Itaúna/MG)



Referências:
Organização, texto e arte: Charles Aquino

ONU News: https://news.un.org/pt/story/2021/03/1745582

UFMG Cedeplar - Poplin-Minas

Imagens ilustrativa: Johann Moritz Rugendas

Imagem Ilustrativa: MultiRio – História do Brasil, O tráfico negreiro. "Os compartimentos de um navio negreiro. Gravura publicada em 1830 no livro Notices of Brazil in 1828 and 1829, de R. Washl. Domínio público, Arquivo Nacional – Ministério da Justiça".